As empresas que desejam confessar participação em cartéis e outras práticas ilícitas em troca de imunidade terão mais segurança nas negociações com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que está elaborando um guia de leniência.
Por enquanto, a cartilha está numa versão preliminar e ficará disponível para sugestões até 10 de janeiro. No entanto, especialistas ouvidos pelo DCI já antecipam que a publicação ajuda a esclarecer alguns dos pontos mais sensíveis dos acordos de leniência, como o sigilo das negociações e a coordenação entre autoridades.
Um dos medos das empresas é que após negociação frustrada de acordo os documentos e provas enviados ao órgão antitruste sejam usados para investigar a empresa, comenta a sócia do Vella, Pugliesi, Buosi e Guidoni (VPBG), Priscila Gonçalves.
“O guia deixa bem clara essa questão do sigilo”, diz a advogada. Ela observa que na questão de número 55 do guia (ao todo são 90 tópicos), por exemplo, o Cade destaca que se o acordo for rejeitado todos os documentos deverão ser devolvidos e que as informações fornecidas não poderão ser usadas para quaisquer fins.
O sócio do Demarest, Bruno de Luca Drago, também entende que o guia coopera para maior segurança jurídica nesse sentido. Mas ele destaca que há questões sobre confidencialidade que ainda precisam ser resolvidas. Isso envolveria não só o trato dado às informações dentro do Cade mas também o procedimento quando outras autoridades são envolvidas.
Para Priscila, o guia também deixa mais claro os limites da imunidade criminal concedida para os executivos envolvidos na conduta anticompetitiva. Além dos crimes contra a ordem econômica, a imunidade abrange os crimes tipificados na Lei de Licitações (8.666/93) e de associação criminosa (artigo 288 do Código Penal). “A rigor, o acordo não gera imunidade em relação a outros crimes, inclusive corrupção. Isso pode reduzir os incentivos para a assinatura de acordo de leniência”, afirma.
Outro ponto crucial na visão dos especialistas é a interação entre os acordos de leniência do Cade, que possui fins concorrenciais, e da Corregedoria-Geral da União (CGU), que pode negociar acordos no âmbito da Lei Anticorrupção.
Priscila destaca que a versão preliminar do guia já traz alguma novidade nesse sentido, ao citar os dois acordos. De acordo com a cartilha não há regra legal sobre qual órgão deve ser procurado primeiro pelo proponente do acordo. Além disso, o Cade poderia “realizar a coordenação” com a CGU.
De outro lado, Drago pondera que essa coordenação entre os acordos de leniência, assim como com as colaborações premiadas, ainda merecem discussão para que se chegue a procedimentos eficientes.
Apesar de ainda haverem dúvidas sobre a leniência, o sócio do Demarest acredita que a proposta do guia é mais no sentido de consolidar o que já faz parte da prática no Cade.
“A minuta inicial do guia [de leniência] é um trabalho de consolidação elogiável nesse sentido”, avalia Drago. Ele também observa que não se trata de uma ação isolada. “O Cade tem se mostrado muito aberto ao diálogo com a sociedade”, conclui o advogado.
Roberto Dumke
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